top of page

Mandar a conta para o Governo pode não ser uma boa

  • Foto do escritor: M. CAMPOS advogados
    M. CAMPOS advogados
  • 5 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura

No final de março, em pronunciamento informal o Presidente da República mencionou o artigo 486, da Consolidação das Leis do Trabalho, para falar que as empresas que pretendem demitir funcionários em meio a pandemia devem mandar a conta para os governadores. Ele disse: “Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc, que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas, quem paga é o governador e o prefeito, tá ok?”.

O polêmico dispositivo legal não deve ser interpretado dessa maneira. Todo funcionário demitido que não recebe suas verbas rescisórias tem o direito de acionar a empresa perante a Justiça do Trabalho para cobrar seus direitos.

O artigo 386, também chamado de “teoria do fato do príncipe”, diz o seguinte: “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”

O texto dá margem a interpretações diferentes, que podem se virar contra o empresário que faz mau uso dessa teoria. É o que vem acontecendo com empresas famosas que optaram por demitir funcionários e não pagar as verbas rescisórias, alegando a ‘permissão’ do referido artigo. Já há pelo menos 4 casos de demissões em massa que foram julgados pela Justiça do Trabalho, em todo o país, negando essa possibilidade às empresas. O de maior notoriedade é o da churrascaria Fogo de Chão.

Primeiramente, há que se considerar que a utilização desse artigo deve implicar no fechamento da empresa. O texto é claro ao condicionar o pagamento da indenização pelo governo à impossibilidade de continuação da atividade. Portanto, se a empresa demitir parte de seus funcionários para se readequar ao novo cenário, não poderá fazer uso desse dispositivo legal, pois vai continuar atuando depois das demissões.

Também há que se considerar que o texto menciona genericamente “o pagamento da indenização”, sem explicar que indenização seria essa. Mas, tratando-se de verba de caráter indenizatório, não se pode deixar de pagar saldo de salários, décimo terceiro e férias vencidas, que são consideradas verbas salariais e comumente pagas na rescisão. O benefício, se interpretado como tal, não poderia ser aplicado a todas as verbas rescisórias.

Não menos importante é o fato de que a pandemia é algo novo na história recente do país. Existe uma doença nova, sem tratamento comprovado ou vacina. A Constituição Federal prevê, como cláusulas pétreas, o direito à saúde e o dever do Estado a proteção da vida. Portanto, as medidas de isolamento social, como única maneira comprovada de diminuição do contágio, não são um capricho de governantes.

Por fim, há que se considerar o caso das empresas dos setores essenciais, cujo funcionamento é permitido, ainda que apenas para entregas e retiradas. Para essas, não houve a impossibilidade de continuação da atividade, houve tão-somente a proibição de atendimento ao público.

Em síntese, o polêmico artigo 386 da CLT tem sido utilizado erroneamente por empresas que demitiram grande parte de seus funcionários, sem pagar nada a eles, alegando que a quarentena trouxe dificuldades financeiras que as incapacitaram de continuar com o mesmo quadro de colaboradores. Todas as decisões judiciais até agora foram unânimes em condenar as empresas no pagamento das verbas rescisórias aos funcionários demitidos, acrescidas das multas pelo atraso.

Se seguidos os requisitos legais, o artigo 386 pode ser aplicado ao caso concreto, mas a empresa deve pagar as rescisões e cobrar judicialmente do chefe do Executivo o valor indenizatório que teve que desembolsar.


por Marcio Eduardo de Campos

 
 
 

Comments


bottom of page