O fenômeno da 'pejotização' no Brasil
- M. CAMPOS advogados

- 29 de out.
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A “pejotização” é um fenômeno que se intensificou no mercado de trabalho brasileiro, especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017. Trata-se, essencialmente, da prática de contratar um profissional como pessoa jurídica (PJ), ao invés de firmar um vínculo empregatício sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para a prestação de serviços que, na realidade, possuem todas as características de uma relação de emprego.
A expressão "pejotização" deriva da sigla PJ. Embora a contratação de empresas ou profissionais autônomos por meio de pessoa jurídica seja lícita e comum em diversas áreas, a pejotização, em sua acepção mais crítica e jurídica, configura uma fraude trabalhista. Ocorre quando a empresa exige ou induz o trabalhador a constituir um CNPJ (geralmente como Microempreendedor Individual - MEI) para formalizar a prestação de serviços, mesmo que ele esteja sujeito a pessoalidade (não pode ser substituído por outro profissional), não eventualidade (presta serviços de forma contínua e habitual), onerosidade (recebe um pagamento pelo serviço), e subordinação (está sujeito a horário, metas, ordens e controle da empresa, tal qual um empregado celetista).
A “pejotização”, muitas vezes utilizada para mascarar o vínculo de emprego, acaba desonerando a empresa contratante de encargos trabalhistas e previdenciários obrigatórios pela CLT. Para o trabalhador "pejotizado", o prejuízo é a perda da proteção social e dos direitos básicos assegurados pela legislação, como férias, décimo terceiro, fundo de garantia e outros.
Em um contexto mais amplo, discute-se que a “pejotização” contribui para a precarização do trabalho, o desequilíbrio na arrecadação tributária e previdenciária do país e o aumento da vulnerabilidade social do profissional.
A temática tem gerado intenso debate na esfera jurídica, especialmente no Supremo Tribunal Federal. Se, por um lado, há a defesa da liberdade de contratação e da autonomia do profissional qualificado que opta por essa modalidade, por outro, a Justiça do Trabalho historicamente tem combatido a “pejotização” quando detecta a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego (pessoalidade e, principalmente, a subordinação).
As decisões judiciais buscam, por meio do princípio da primazia da realidade, analisar os fatos da prestação de serviço, e não apenas o contrato formal. Quando a fraude é comprovada, o Poder Judiciário determina o reconhecimento do vínculo empregatício, com a consequente condenação da empresa ao pagamento de todos os direitos sonegados.
A “pejotização”, portanto, reflete um dilema moderno entre a busca por flexibilidade nas relações de trabalho e a necessidade de preservar os direitos e a dignidade do trabalhador. É um campo de intensa disputa jurídica, política e social sobre o futuro do trabalho no Brasil. Atualmente, a validade da pejotização no país está em um momento de grande incerteza, pois é pauta de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Historicamente, a Justiça do Trabalho tem considerado a pejotização como fraude à legislação trabalhista quando presentes os requisitos do vínculo empregatício.
Nos últimos anos, porém, o STF tem emitido decisões que, em casos específicos, cassaram decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo empregatício de PJs, especialmente em contratos de profissionais de alto nível ou quando há a livre escolha do modelo de contratação. A Corte tem reforçado a validade da terceirização de atividade-fim (Tema 725) e a prevalência da livre iniciativa.
O ponto crucial, e que está em discussão, é: quando a contratação via PJ deixa de ser uma legítima parceria civil/comercial e passa a ser uma fraude disfarçando subordinação?
O tema foi reconhecido pelo STF como de Repercussão Geral (Tema 1.389), sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O Tribunal vai definir a validade da contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços e como a Justiça deve lidar com as alegações de fraude.
Em abril de 2025, o Ministro Relator suspendeu nacionalmente todos os processos que discutem a licitude de contratos de prestação de serviços por PJ e a existência de fraude trabalhista, até que o Plenário do STF profira uma decisão definitiva.
Em síntese, o modelo tradicional da Justiça do Trabalho de combater a pejotização (fraude) ao constatar subordinação está sob forte reanálise no STF, que tende a buscar um novo equilíbrio que favoreça a flexibilidade contratual e a livre iniciativa. A decisão final da Corte definirá a fronteira entre o trabalho autônomo lícito e a “pejotização” fraudulenta.



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